quinta-feira, junho 28, 2012

E Depois Do Adeus


Beto também lá esteve, sim senhor. Fixem aqueles headphones.
A vida acabou. Em termos de Europeu 2012 e para a Selecção Portuguesa, bem entendido. O corolário: uma copiosa vitória moral, uma goleada da ilusão, um tiki-taka de azar. 

No que concerne aos resultados, este Europeu não ficou aquém do Euro-84, com o senão que os bigodes farfalhudos eram superiores em quantidade e qualidade nesse certame que já festejou as bodas de prata. Mas ficou acima do Euro-96, pese embora esse tenha contado com Porfírio, pelo menos na foto de grupo, e tenha sido aqui que se introduziu a bandeirinha portuguesa (não confundir com o Bandeirinha, já sobejamente impregnado na cultura bolística à época), então ainda muito timidamente a espreitar fora dos bolsos de António “O Bigode Fica-me Mesmo Bem” Oliveira para Sá Pinto beijar. Sim, era uma altura em que Sá Pinto ainda demonstrava gestos de carinho junto de seleccionadores e onde cabelos à tigela eram toleráveis. E este Euro-12 foi mais agradável que o cinzento Euro-08. Pecou, porém, por não ter um bode expiatório ao nível de um árbitro, como no Euro-2000, ou ao nível de um Ricardo, como no Euro-04. Resta-nos saborear esta derrota da melhor e mais inventiva forma possível, porque é com derrotas honradas que se constroem palmarés capazes de orgulhar toda esta nação. 

Façamos uma análise individual a alguns nomes deste Europeu:

Hugo Almeida – deu água pela barba. Evidentemente, não das defesas adversárias; a expressão deve ser lida literalmente: a sua barba parecia molhada. Suor, água ou cuspo do adversário, não sabemos.

João Pereira – ficou a dever a si mesmo mais um ou outro cartão amarelo. Poderia ter-se envolvido em mais picardias fúteis. Não foi o rufia do costume e até aceitou repreensões do árbitro sem referir com veemência a profissão da sua mãe. Uma desilusão.

Rúben Micael – uma postura impecável em todos os bancos por onde passou. Fossem eles no campo, no autocarro ou no avião. Testou com grande eficácia a ergonomia dos assentos. A rever.

Miguel Lopes – fez um tackle a destempo sobre o Quaresma. Tem um braço muito graffitado e outro por graffitar, o que lhe confere um aspecto de Igreja de Sta. Engrácia, ou seja, parece inacabado.

Quaresma – sofreu falta do Miguel Lopes e reagiu com um pontapé. Mas não um pontapé qualquer; foi um pontapé de trivela com uma ressonância acústica maravilhosa na caneleira de Miguel Lopes. Digamos que foi um pontapé digno da mítica camisola 10.

Hugo Viana – um trabalho de sapa a fornecer Powerade aos colegas, visão de jogo para saber onde colocar o colete e classe na forma como ajudou a carregar as balizas nos treinos. Foi injustamente menosprezado.

Custódio – o “wonder sub”. Quando foi preciso resolver nos minutos finais, Custódio disse “presente”, foi lá para dentro estancar hemorragias tácticas e, com sorte, provocar hemorragias nasais nos adversários. O estilo rendilhado do seu futebol construído de passes para o lado e para trás cativou as bancadas nos breves minutos em que pôde demonstrar o seu valor. Provavelmente, o jogador com o maior rácio faltas cometidas/minutos em jogo. 

Eduardo – fantástico. De longe, o melhor cantor de hino da Selecção. Todo ele alma, todo ele sentimento; Eduardo é o Alfredo Marceneiro que andávamos há bastante tempo à procura. Agora já só falta encontrar um ponta-de-lança. Uma lagrimazinha também não lhe teria ficado mal, ele que já provou ser um bom choramingas, mas pronto, não exijamos demais ao 3º guarda-redes. Curiosamente, também ficou em 3º nesta votação particular. Está claramente de parabéns.

Nélson Oliveira – ganhou a convocatória por ter um penteado mais parvo que o do Ronaldo e por ostentar umas orelhas maiores que dois Joões Moutinhos inteiros ou meio-rabo do Miguel (que é como o Miguel Veloso gosta de ser tratado). É uma estrela meticulosamente preparada pelos marketeers, sendo neste aspecto como a pescada: antes de o ser, já o era. Marcou menos golos que o Postiga e rematou menos que o Hugo Almeida, o que por si só pode destruir um currículo, mas toda a sua equipa de promoção irá ignorar este facto.

Rolando – Rolando? Ah, nós queríamos era falar do Ronaldo… Sobre gente estranha à Selecção não nos pronunciamos.

Ronaldo – não, afinal não queremos falar do Ronaldo, seria demasiado “trendy”. O Messi que fale dele, se quiser.

Bruno Alves – o eterno fascínio pelo contacto físico à laia de uma locomotiva descontrolada, pelo salto com apoio ilícito, pela bofetada extemporânea na tromba do oponente, pela pisadela involuntária-mas-que-podia-ter-sido-evitada-com-mais-cuidadinho nas virilhas do tipo que está no chão e pela proliferação do palavrão. Como o mais velho dos jogadores, deu o exemplo.

Raul Meireles – a grande figura da Selecção. Em termos de profusão estilística, claro: ele é óculos escuros vistosos, enorme densidade de tatuagens, barba por fazer, capuz na cabeça à saída do autocarro mesmo à xunga e, como cereja no topo no bolo, a maior demonstração de vedetismo contemporânea: os headphones vermelhos gigantes pendurados no pescoço. Este tema merece um subcapítulo à parte.

OS HEADPHONES VERMELHOS
O adereço em causa - os chamados "Monster Beats". Aproveite já você também!

Nas oportunas e sempre pertinentes reportagens do Nuno Luz, foi possível vislumbrar um denominador comum: elevados índices de vacuidade. Pronto, dois denominadores comuns: a vacuidade e os headphones vermelhos gigantes portados pelos jogadores. Rivais dos headphones utilizados por profissionais de estúdio, estes headphones tornaram-se extremamente populares entre as vedetas de bola, destronando os outrora “must bes” da moda das estrelas que foram, por exemplo, as pochetes e as madeixas. Um jogador consagrado da Selecção ir a algum lado sem estes headphones, em geral colocados em descanso no pescoço, parece hoje quase tão irreal como o Ronaldo jogar sem o cabelo completamente grudado. Os headphones vermelhos estão para a vedeta como a tatuagem de “Amor de Mãe” está para um ex-combatente no Ultramar.

Porque são tão grandes? Não sabemos. Talvez possuam uma potência assombrosa e proporcionem uma sensação de conforto muito agradável nas orelhas. Mas deve ser para replicar o fenómeno estético dos grandes tijolos que fizeram furor na comunidade hip-hop. Porque são todos vermelhos? Ignoramos. Pode ser uma questão de marca ou pode ser para combater a escassez de benfiquismo na Selecção. Se funcionam efectivamente enquanto ponto de escuta? Não conseguimos afirmar. Mas também não interessa; o que importa é que funcionam como adereço e o facto de possuir uns headphones vermelhos gigantes pendurados no pescoço é um genuíno grito de vedetismo. São um “statement” de afirmação em si mesmos. E depois, para bem da saúde dos próprios headphones, sempre é melhor aconchegar-se num pescoço qualquer, mesmo o imbuído de pura ruindade como o do Pepe, do que aturar a pimbalhada musical que tanto agrada ao jogador de futebol debitada a decibéis impróprios. E depois, dói só de imaginar a quantidade de cera acumulada nas cavidades auriculares e a extracção da mesma por intermédio duma unha dum, sei lá, Ricardo Costa qualquer.

Quem não se adapta a estas novas realidades sofre as consequências. Por exemplo, vimos numa dessas reportagens o Rui Patrício sentado ao lado do João Pereira no autocarro, utilizando uns headphones finíssimos de iPod, desgarrados de todo o ambiente, minimalistas, brancos, quase imperceptíveis. Patrício, bronco como sempre, não suspeitou de nada, sorriu para a câmara e carregou no “play”. Ao seu lado, João Pereira gozava com o caricato da situação, quase rebolando no banco ao aperceber-se do óbvio. Virou-se para Patrício e, com a eloquência que o caracteriza, deve ter-lhe dito qualquer coisa como, “ó meu ******, ****-** que essa ***** desses phones já não se usam, ********! ****-**, que estou ****** com este ************, ó ********!.... Se queres ouvir som, vai mas é lá para trás, ó ********* que te ****, **********! ********, **** de ******, *********!”, que obviamente não foi reproduzido. Mas Patrício não percebeu o alerta, empenhado que estava em ouvir o seu Jay-Z, Jessie J ou Zé Cabra e ficou a dar mau-aspecto o resto da viagem. 

Patrício tem potencial, de facto. Mas só se tornará numa estrela internacional e concretizará uma transferência digna de Roberto se começar a usar uns headphones vermelhos publicamente. Porque doutra forma nunca será visto como um grande jogador e será apenas um pacóvio que gosta de ouvir som. E para ouvir música estão os gajos na bancada com os seus headphones corriqueiros. É verdade, o hábito faz o monge e os headphones vermelhos fazem um jogador.
O efeito dos headphones vermelhos.

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